O vício das alianças políticas mal feitas, por Merval Pereira
Por Merval Pereira, para O Globo
A montagem das
alianças políticas para a eleição municipal está explicitando os piores
defeitos do sistema partidário brasileiro, a começar pela troca de
minutos de propaganda eleitoral por apoios pontuais, com a truculência
das direções nacionais impondo decisões aos órgãos municipais, sem
respeitar interesses locais nem eventuais programas de governo.
Em
Belo Horizonte, onde o PT e o PSDB disputarão uma eleição separados
depois de uma aliança vitoriosa que elegeu Marcio Lacerda, do PSB,
prefeito da capital mineira, cada partido acusa o outro de ter rompido a
aliança querendo nacionalizar a disputa.
Da parte do governo, a
própria presidente Dilma Rousseff entrou no jogo para levar o PMDB e o
PSD a apoiar a candidatura do petista Patrus Ananias.
Do lado do
PSDB, o senador Aécio Neves manobrou para separar o PSB do PT,
aproveitando a maneira insaciável que os petistas têm para fazer
alianças.
O PT já tem a grande maioria dos cargos da prefeitura,
há quem diga que ocupa 70% dos cargos públicos, e queria fazer uma chapa
única de vereadores para se aproveitar da força do PSB e do PSDB
locais.
O PMDB, instado por Dilma e louco para demonstrar sua
lealdade governista, abriu mão da candidatura própria, dizem que em
troca de mais um ministério para a base mineira do partido, o que
incluiria o ex-governador Newton Cardoso e o ex-candidato Hélio Costa.
É
provável que haja dissidências internas, assim como aconteceu no PSD
mineiro, que rejeitou a intervenção no diretório municipal e fez uma ata
apoiando a candidatura de Marcio Lacerda, o que certamente levará a uma
disputa judicial.
Mesmo rompido com a atual administração, é
pouco provável que os muitos servidores ligados ao PT deixem em bloco
seus lugares no governo de Belo Horizonte, pois esta é outra
característica dos acordos partidários: a inércia faz com que, mesmo
depois de um rompimento, muitos dos “dissidentes” continuem nos cargos,
pelo menos por algum tempo.
O PCdoB votou para ficar com a
candidatura de Marcio Lacerda, mas houve uma intervenção nacional, e o
partido apoiará o candidato petista, juntamente com o PMDB, mas ambos os
partidos com constrangimentos evidentes, submetidos a uma intervenção.
Em
São Paulo, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, garantiu o PSB
para apoiar o candidato de Lula, mas teve que fazer uma intervenção
branca, pois a maioria queria apoiar a candidatura do tucano Serra.
Mas,
seguindo a tradição, todos continuam no governo do tucano Geraldo
Alckmin, mesmo tendo aderido ao petista Fernando Haddad: Maluf continua
com seus cargos; o PSB continua; PCdoB continua; Paulinho da Força
lançou-se candidato pelo PDT, mas está no governo; Soninha Francine é
candidata do PPS à prefeitura, mas continua no governo estadual do PSDB.
E
vamos ter nestas eleições imagens que certamente, se não confundirão,
pelo menos divertirão os eleitores: o PSDB mineiro já começou a
selecionar cenas recentes em que a presidente Dilma elogia Marcio
Lacerda em uma inauguração, chamando-o de o melhor prefeito do Brasil.
No
Rio de Janeiro, em pleno julgamento do mensalão, veremos imagens do
atual prefeito carioca, Eduardo Paes, quando era secretário-geral do
PSDB, em atividade na CPI do Mensalão, criticando até mesmo os filhos do
ex-presidente Lula, de quem hoje é aliado.
E o então deputado
Gustavo Fruet, também no PSDB, será mostrado, em Curitiba, na CPI do
Mensalão criticando o PT e o governo do qual agora é aliado, como
candidato do PDT à prefeitura, com o apoio do PT.
A decisão do
Supremo em relação ao PSD pode estimular a deslealdade, com criação de
novos partidos, mas era inevitável que o candidato carregasse o tempo. O
problema é que se criou um mercado eleitoral onde tudo é comprado, e
tudo é vendido.
A divisão do tempo proporcional na propaganda
eleitoral para rádio e televisão virou um cartório, como tudo na
política brasileira vira cartório.
A verba de partido, que o PSD
também ganhou, é manipulada pela direção nacional de todos os partidos,
torna-se um instrumento de perpetuação de poder.
O horário
eleitoral foi criado com a intenção de democratizar o acesso dos
candidatos ao eleitorado, nenhum cérebro maligno montou aquilo em que
acabou se transformando.
Virou uma mercadoria cara que vulgarizou a
política. A parte mais cara de qualquer campanha eleitoral é a da
televisão, o que inflaciona seus preços.
Os marqueteiros, as
agências de publicidade têm um mercado valiosíssimo, e não é um mercado
concorrencial, não há mais que meia dúzia de especialistas.
Monta-se uma estrutura caríssima para funcionar apenas durante o curto período da campanha eleitoral de rádio e televisão.
No
julgamento do TSE que decidiu dar o tempo e o fundo partidário para o
PSD de acordo com a bancada que conseguiu reunir na sua fundação, os
ministros Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello propuseram que o tempo
fosse dividido igualmente entre todos os candidatos.
Mas essa é
uma solução que, embora pareça justa, não dá para ser adotada por causa
dos partidos nanicos. Em São Paulo, por exemplo, concorrem 12
candidatos, e por isso não é possível fazer debate no primeiro turno.
Os nanicos “venderiam” seu tempo por muito mais do que “vendem” hoje se tivessem a mesma exposição que os maiores partidos.
A
questão é não deixar esses nanicos entrarem na divisão do tempo de
propaganda, com a aprovação de cláusulas de barreira. Essa divisão de
tempo, que se reflete em acordos políticos espúrios e num estímulo à
infidelidade partidária, é um dos grandes obstáculos para a consolidação
da democracia e o aperfeiçoamento do processo eleitoral no Brasil.
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