Confissão estarrecedora
20 de março de 2014 | 2h 07
Pelo menos uma vez na sua vida pública, cinco anos antes de se
tornar presidente, Dilma Rousseff não foi a administradora detalhista de que
tanto se queixam, naturalmente em surdina, os seus subordinados - e o resultado
foi calamitoso para as finanças e a aura de seriedade de que se vangloriava a
20.ª maior empresa do mundo, a Petrobrás. Às vezes, governantes alegam ter
assinado sem ler, em meio à papelada na fila para o seu autógrafo, textos de
atos oficiais que, de outro modo, rejeitariam. No caso de Dilma, foi pior:
contentando-se com o pouco que leu, autorizou irresponsavelmente a estatal a
fazer um negócio temerário que lhe traria um prejuízo de mais de US$ 1 bilhão e
uma inédita investigação da Polícia Federal, Tribunal de Contas da União e
Ministério Público por suspeita de superfaturamento e evasão de divisas.
À época, fevereiro de 2006, Dilma ocupava a Casa Civil do
governo Lula. A ex-ministra de Minas e Energia chegara ao posto em junho do ano
anterior, depois que o ministro José Dirceu caiu em desgraça, acusado de
chefiar o mensalão. As funções da nova ministra incluíam presidir o Conselho de
Administração da Petrobrás. E nessa condição ela participou da decisão do
colegiado de autorizar a empresa a comprar 50% de uma refinaria em Pasadena, no
Texas, por US$ 360 milhões. A refinaria tinha sido vendida um ano antes a uma
empresa belga, a Astra Oil, por US$ 42,5 milhões. Por falta de informação ou
por indiferença, nem Dilma nem qualquer dos conselheiros - entre eles o
ministro da Fazenda, Antonio Palocci, e o das Relações Institucionais, Jaques
Wagner - chamaram a atenção para o fato de que, para ficar com metade do
empreendimento, a Petrobrás desembolsaria 8,5 vezes mais do que a Astra gastou
pouco antes pela destilaria inteira.
Foi o começo da degringolada. Quando, em 2007, o Conselho negou
à Petrobrás autorização para aceitar a proposta de compra dos demais 50%, a
vendedora acionou a estatal na Justiça americana para obrigá-la a isso,
invocando a cláusula contratual Put Option. Segundo ela, em caso de desavença
entre os sócios, um deve ficar com a parte do outro.
Em 2008, a Petrobrás recorreu, pagando, diga-se de passagem, US$
7,9 milhões a uma banca de advocacia ligada a ex-dirigentes da própria empresa.
Derrotada na Justiça, ela acabaria pagando aos belgas US$ 820,5 milhões - US$
639 milhões pela metade com que não queria ficar, mais honorários e custas
processuais. O caso escabroso foi divulgado em 2012 pelo Broadcast, o serviço
em tempo real da Agência Estado. O mais estarrecedor, porém, ainda estava por
vir.
Na segunda-feira, confrontada por documentos inéditos atestando
o voto favorável da então conselheira Dilma Rousseff à compra da refinaria, na
fatídica reunião de 2006, ela confessou, em nota da Presidência da República a
este jornal, que se baseara em um mero resumo executivo, "técnica e
juridicamente falho", dos termos da transação. O seu autor era o diretor
da área internacional da Petrobrás, Nestor Cerveró, indicado pelo ainda
ministro José Dirceu. Espantosamente, ele é hoje diretor financeiro de serviços
da BR Distribuidora. O texto não fazia menção à Put Option, tampouco à cláusula
Merlin, que garantia à parceira da estatal um lucro de 6,9% ao ano, qualquer
que fosse a situação do mercado de derivados de petróleo. Tais condições, diz a
nota do Planalto, "seguramente não seriam aprovadas pelo Conselho" se
delas tivesse ciência.