As emendas ao Orçamento da União, quase
sempre, não têm a preocupação com o país, como um todo, mas são ações
parlamentares para ganhar votos e se perpetuar na política, com estrutura,
dinheiro e poder todo o tempo, ao contrário de quem almeja entrar na disputa,
que tem prazo certo para se inscrever e dá início à divulgação de seu nome. Na
maior parte das vezes, a emenda está vinculada a um esquema de recebimento de
propina para o parlamentar e o prefeito municipal.
O primeiro Orçamento da União em que foi
constituída uma Comissão Mista do Congresso Nacional para analisar o Orçamento da União seria aplicável ao ano de
1989, que serviria ao último ano do governo de José Sarney, lembrando que
durante o Regime Militar o Congresso Nacional não podia propor alteração na
peça orçamentária, apenas podia aprovar ou rejeitar.
Com a Constituição de 1988,
foram introduzidas duas novidades na questão orçamentária. Devolveu ao
Legislativo a prerrogativa de propor emendas sobre a despesa no projeto de lei
de orçamento e reforçou o conceito que associava planejamento e orçamento como
partes de um sistema.
Em 1989 era a vez do Congresso Nacional,
apreciar e aprovar, com as devidas emendas, o Orçamento Fiscal para o ano de
1990, quando viria tomar posse o mais jovem presidente da República eleito no
Brasil - Fernando Collor de Mello -, que não chegaria ao final de seu mandato.
Os lobistas das empreiteiras já atuavam
abertamente na proposição de emendas para o Orçamento de 1990, mas a estrutura
da Comissão Mista era a mais precária possível, com a falta de funcionários e
assessoramento técnico para instruir os parlamentares na análise e emenda do
Orçamento. E o maior culpado era o deputado Cid Carvalho (PMDB-MA), que era o
presidente da Comissão Mista de Orçamento e um dos parlamentares que menos
compareceu ao Congresso durante o ano de 1989.
Para resolver o problema da Comissão
para as próximas legislaturas, o deputado Cid Carvalho contava com um estudo
preparado pelo economista José Carlos Alves dos Santos, então diretor da
Assessoria da Comissão, que previa criar uma nova estrutura, baseada na
norte-americana, e que teria “um corpo, de no mínimo, cem técnicos de alta
qualificação, muito bem remunerados”, que daria suporte às decisões de
senadores e deputados em lugar dos trinta técnicos realocados de postos no
Senado Federal e na Câmara dos Deputados.
Embora diante de todos os problemas
citados, os parlamentares usavam a Comissão Mista para incluir suas emendas
fisiológicas no já combalido Orçamento da União. Para 1990, os digníssimos
senadores e deputados federais apresentaram nada menos que 13 mil emendas
parlamentares.
A coisa já começava totalmente errada. Como exemplo, no Orçamento da União para 1990, houve a tentativa da retirada de 1/3 do
Orçamento para o Censo de 1990, feito pelo IBGE, com a inclusão de uma única
emenda para estradas, uma das áreas preferidas de alguns parlamentares por ser uma grande
fonte de corrupção.
Desde
1989, os parlamentares já trabalhavam com a ideia de se criar um
Orçamento Secreto, mesmo que este nome ainda não havia sido ventilado às
claras. Mas, os parlamentares destinaram para o Orçamento que teria execução em 1990, o percentual de 10% de seu valor global para a rubrica
“Projetos Especiais” que, na prática, deveria ser usado para pagar mais de duas
mil emendas parlamentares, sendo que cada emenda era
mais esdrúxula do que a outra, e a maior parte do orçamento “extra” era
para aplicação no Ministério dos Transportes, fonte interminável de corrupção.
O Orçamento da União para 1991 foi
sancionado pelo presidente Fernando Collor de Mello no dia 31 de janeiro de
1991 e já era motivo de disputas entre parlamentares, que queriam ver suas milhares de emendas terem as verbas liberadas. Entre estes parlamentares, estava o
senador Henrique Almeida, da C. R. Almeida, que não media esforços para fazer
lobby em favor de seus interesses e das demais empreiteiras. E dizia “Esse é um
ramo que só leva porrada. Na indústria automobilística, quando se demite é um
escândalo. Na construção civil, o governo para a obra, demite mil empregados e
ninguém grita”.
E justificou assim a sua decisão em
assumir um cargo parlamentar: “No Congresso Nacional fica mais fácil
defendermos a classe”. E criticou aqueles que tentavam esconder serem defensores de
interesses de empreiteiras no Congresso Nacional: “As pessoas não podem
esconder sua origem. É preciso ter peito para defender a classe. O banqueiro
esconde que é banqueiro? O bicheiro esconde que é bicheiro?”.
Antes de iniciar os trabalhos de análise do Orçamento
da União para 1992, o Congresso Nacional já era palco de briga entre os
partidos que queriam ter mais representantes na Comissão Mista de Orçamento, o
que levou os presidentes do Senado Federal, Mauro Benevides (PMDB-CE) e da
Câmara dos Deputados, Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) a decidir por aumentar a
“bancada das emendas” de 84 membros para 100.
De acordo com o jornalista Hélio Fernandes,
da Tribuna da Imprensa, o Orçamento da União era a grande vergonha nacional.
Parlamentares que nunca haviam se preocupado com o Orçamento, de repente haviam
descoberto ali “o mapa da mina”, porque o Orçamento era uma “peça de varejo,
todo picadinho, voltado, única e exclusivamente, para o interesse dos membros
da Comissão de Orçamento e de seus dedicados amigos”.
Acreditem: até o dia 3 de outubro de 1991, a
Comissão já tinha proposto 72 mil emendas ao Orçamento da União para 1992.
Destas, apenas 3 mil não se referiam a recursos financeiros e a grande
discussão era quanto ao orçamento previsto para a construção dos CIAC’S do
Brizola, que os deputados queriam reduzir e o Planalto brigava pela manutenção
alegando que ainda era reduzido. No final, os CIAC’s ficaram com 75% da verba,
originalmente prevista.
A coisa foi de tal forma avacalhada na
Comissão Mista de Orçamento, que uma perícia da Polícia Federal constatou que
duas emendas parlamentares, aprovadas no Orçamento de 1992 tiveram a assinatura
do deputado Manoel Moreira (PMDB-SP) falsificadas “de forma grosseira” por um
funcionário da empreiteira Servaz. Tais emendas destinavam Cr$ 2 bilhões para
obras de redes de esgoto e de distribuição de água no município de Serra Negra
(SP).
O deputado
Ricardo Fiúza, relator do Orçamento de 1992, acusação identificado em
investigação interna, incluiu ou alterou 398 emendas ao Orçamento da
União e isto, depois
que a Lei Orçamentária já ter sido aprovada pelo plenário do Congresso
Nacional, beneficiando 127 deputados.
Somente em maio de 1994, o ministro
Paulo Brossard, do Supremo Tribunal Federal, autorizou, a pedido do
procurador-geral da República, Aristides Junqueira, a abertura de Inquérito
para apurar a responsabilidade de Ricardo Fiuza nos fatos criminosos apontados. Não
deu em nada, como sempre acontece com ações no STF contra parlamentares e
Ricardo Fiúza continuou na ativa até 2005, quando faleceu em decorrência de um
câncer.
No dia 4 de dezembro de 1992, a Comissão
Mista do Orçamento para 1993 tinha como desafio principal selecionar, no máximo, três mil
emendas, em discussão nas sub-relatoras parciais, dentre as 18 mil que haviam
sido apresentadas, cujo valor total superava em 35 vezes o teto de gastos
previstos, sendo que estava marcada, para o dia seguinte, uma reunião em que se
pretendia aprovar os relatórios parciais das Subcomissões.
Além dessas 18 mil emendas, até então
aproveitadas, outras 58 mil emendas ordinárias (apresentadas individualmente
por deputados e senadores) haviam sido descartadas. De acordo com o presidente
da Comissão Mista, deputado Messias Góis, isto era “um recado para os parlamentares de que o Orçamento
é curto e magro”, embora algumas dessas emendas pudessem entrar para serem votadas
como destaque na reunião de aprovação do Orçamento.
Na verdade, o orçamento não era “curto e
magro” conforme dito por Messias Góis; o Brasil estava, literalmente, à beira
da falência, com a necessidade de dispender US$ 8,3 bilhões em pagamentos de juros
da dívida externa, com vencimento em 1993. Mas nada disso importava para os
parlamentares e, principalmente para os membros da Comissão Mista do Orçamento;
eles nunca agiam pensando no país.
Para ter-se ideia do tamanho do problema,
cerca de 60% da arrecadação prevista para 1993 teria que ser usada para pagar
dívida e, por exemplo, para o Ministério da Cultura era destinado apenas 0,004%
do Orçamento.
Acontece que as 18 mil emendas prioritárias e
coletivas, efetivamente recebidas pela Comissão Mista, equivaliam ao montante
de Cr$ 574 trilhões, ou seja, superavam em Cr$ 36 trilhões os Cr$ 538 trilhões
totais disponíveis.
Já era preocupante a avaliação do deputado
Messias Góis em relação ao carnaval de emendas parlamentares, mas ele foi mais
incisivo no problema, dizendo que a forma de atuação dos parlamentares na
Comissão Mista de Orçamento concorria para a distorção de preços na execução de
obras:
- Hoje a Comissão não faz Orçamento nem
fiscaliza a aplicação dos recursos, muitas vezes usados em obras
superfaturadas. E Góis tinha plena razão nesta afirmativa, já que as emendas
propostas pelos membros da Comissão Mista extrapolavam em três vezes a previsão
de receitas para 1993.
O orçamento da União para 1993 só seria
aprovado na Comissão Mista na madrugada do dia 14 de março daquele ano, depois
de mil e uma conversas, tornando o processo um verdadeiro “balcão de negócios”,
conforme definido por parlamentares do PT, que se abstiveram de votar. Um
exemplo de roubalheira explícita era a emenda apresentada ao orçamento da União
pelo deputado [Severino] Sérgio [Estelita] Guerra (PSB) e aceita pelo relator
Mansueto de Lavor (PMDB), ambos de Pernambuco, em que era prevista a duplicação
de um trecho de rodovia de 5,6 km, da BR 101, entre as cidades de Prazeres e
Cabo, em Pernambuco, ao custo de US$ 1,1 milhão por quilômetro.
E enquanto os parlamentares brigavam por
verbas no orçamento, em grande parte para abastecer empreiteiras amigas e
receber propina [as ditas comissões, no linguajar dos políticos], o governo de
Itamar Franco elegia como prioridade o combate à fome que, segundo estimativas
oficiais, atingia 32 milhões de pessoas, consideradas indigentes.
Este jogo de faz-de-conta dos
parlamentares com o Orçamento da União acabaria logo e por um fato externo. O economista
José Carlos Alves dos Santos, preso no dia 8 de outubro de 1993 resolveu, sete
dias depois, fazer uma denúncia “espetacular” do esquema de corrupção que
imperava na Comissão Mista do Orçamento da União.
Esta
foi a gênese do maior escândalo de 1990, chamado de Escândalo dos Anões
do Orçamento, que teve uma CPMI, mas que acabou quase tudo em pizza,
porque as próximas eleições estavam próximas e os parlamentares queriam
que o povo esquecesse logo daquilo para que eles pudessem se reeleger e
continuar com a roubalheira da Nação.
No final, os denunciados ficaram livres e o denunciante preso.
Um
dos grandes culpados de toda a roubalheira que acontece até os dias
atuais, com a corrupção 5G do governo federal e dos parlamentares, está
em nosso corrupto sistema de Justiça, que tem mantido a impunidade
seletiva para
os grandes criminosos, a despeito do valoroso trabalho de alguns membros
do
Judiciário e do Ministério Público, mas que não dão conta de tanta
corrupção,
principalmente, porque têm contra si a caneta de alguns
advogados-ministros do
STF, que não concordam com a manutenção da prisão de graúdos políticos e
grandes
operadores de propina.
Pelo que se vê
dessa atitude de ministros da Suprema Corte, pode-se inferir que tais presos,
depois de um tempo, poderiam cair na tentação de utilizar os benefícios da Lei
12.850 e delatar grandes caciques da política e, quem sabe, até ministros do
STF. Afinal, quem vai saber o que se esconde por trás da motivação “garantista”
destes advogados-ministros?
De acordo com o jurista Modesto Carvalhosa, em
entrevista concedida ao jornalista José Nêumanne Pinto, do jornal Estado
de São Paulo,