Da arte de iludir, por Demétrio Magnoli
Demétrio Magnoli
Todos eles leram “O
leopardo”, de Lampedusa. “Se queremos que as coisas permaneçam como
sempre foram, elas terão que mudar” — o célebre conselho de Tancredi
Falconeri a Don Fabrizio provavelmente não foi enunciado explicitamente
na reunião de Dilma Rousseff com os líderes do Movimento de Combate à
Corrupção Eleitoral (MCCE), mas uns e outros sabiam que era disso que se
tratava.
A presidente declarou-se simpática à proposta de reforma
política, mas não chegou a anunciar um apoio público, algo que “não
interessa” ao movimento, segundo o juiz Márlon Reis. O patrocínio
oficial ficou, assim, fora dos autos.
Nas ruas, em junho,
gritaram-se as palavras “educação” e “saúde”, não “reforma política”.
Contudo, o governo concluiu, razoavelmente, que o sistema político em
vigor tornou-se insuportável — e resolveu agir antes que uma nova onda
de manifestações se organize sob a bandeira de “Fora Dilma”.
Os
ensaios sucessivos da constituinte exclusiva, uma flagrante
inconstitucionalidade, e do plebiscito, uma tentativa quixotesca de
cassar as prerrogativas do Congresso (o que se traduz, hoje, na prática,
como prerrogativas do PMDB) evidenciaram o desespero que invadiu o
Planalto. É sobre esse pano de fundo que surgiu, como derradeira boia de
salvação, a iniciativa do MCCE. Tancredi está entre nós.
Antes
das manifestações de junho, só o PT tinha uma proposta completa de
reforma política. Nos sonhos petistas, o anárquico e corrompido sistema
atual evoluiria em direção a algo mais consistente — e ainda mais
impermeável à vontade dos cidadãos. O financiamento público de campanha
concluiria o processo de estatização dos partidos políticos, que se
tornariam virtualmente imunes ao escrutínio popular.
O voto em
lista fechada concentraria o poder nas mãos das cúpulas partidárias,
rompendo os tênues vínculos ainda existentes entre os eleitores e seus
representantes. No fim, surgiria uma partidocracia cortada segundo os
interesses exclusivos do partido dotado da máquina eleitoral mais
eficiente.
O projeto petista, que já esbarrava na resistência do
restante da elite política, tornou-se inviável depois do transbordamento
das insatisfações populares. No lugar dele, o Planalto inclina-se em
direção ao artefato lampedusiano produzido no forno do MCCE.
Leia a íntegra em Da arte de iludir
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