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Hobbes, laicidade, bem-estar social e o Brasil
O filósofo britânico Thomas Hobbes entrou para a história do pensamento político ocidental ao publicar, em meados do século XVII, o livro Leviatã. A obra em questao é uma das referências mais antigas e influentes da teoria do contrato social. Leviatã também é historicamente associado ao absolutismo monárquico, forma de governo em que todo o poder político concentrava-se nas mãos do rei. Segundo Hobbes, os seres humanos, em estado natural, são inerentemente inimigos, pois cada indivíduo visa, primordialmente, a sua própria sobrevivência, independente do bem-estar de seu semalhante. “O homem é o lobo do homem”, diz o clássico aforisma hobbesiano.Desse modo, para que os seres humanos possam viver em sociedade, é imprescindível que haja uma instância reguladora e superior a todos. Temos assim o Estado e as leis. Porém, poucos leitores observaram que no Leviatã Hobbes também defende (embora não utilize necessariamente os termos apropriados) duas formas de organização social que ganhariam consistência somente após as revoluções burguesas. Trata-se do Estado Laico e do Estado do Bem-Estar Social.
Grosso modo, Estado Laico é um estado oficialmente neutro em relação às questões religiosas, não apoiando e nem se opondo a nenhuma religião. Dessa forma, a todos os cidadãos é assegurada a liberdade de crença, bem como a liberdade de não-crença religiosa (como são os casos de ateus e agnósticos). Para Hobbes algumas afirmações de Jesus Cristo como “O meu reino não é deste mundo” e “Daí a César o que é de César e a Deus o que é Deus” trazem, explicitamente, a ideia de que assuntos religiosos não devem se misturar com assuntos “mundanos”, próprios da esfera pública. Ou seja, o próprio Messias, segundo o filósofo, defendia a separação entre Estado e Igreja.
Já o Estado do Bem-Estar Social, também conhecido como Estado-Providência, é uma forma de organização política em que o Estado tem o dever de garantir serviços públicos e assistência social para a população. De acordo com Hobbes, para que cada indivíduo renuncie ao seu direito natural de utilizar todos os meios possíveis para a sua sobrevivência é preciso que o governo provenha, como contrapartida, uma mínima possibilidade de subsistência digna para os seus cidadãos. Entretanto, os princípios da laicidade e do bem-estar social, mesmo consagrados na Constituição de 1988, não têm sido colocados em prática no Brasil. A presença de crucifixos em repartições públicas, os feriados religiosos, a adoção da disciplina Ensino Religioso nas escolas e, principalmente, a grande influência dos parlamentares evangélicos e católicos nas principais decisões governamentais são alguns exemplos de desrespeito ao caráter laico do Estado.
Por outro lado, a grande defasagem dos serviços públicos e a grande mercantilização de áreas como saúde e educação (condutas típicas das políticas neoliberais), colocam em xeque o Estado-Providência. Assim, quase quatrocentos anos após a publicação do Leviatã, parece que alguns princípios fundamentais para o andamento de uma organização política, como a laicidade e os investimentos sociais, apesar de corroborados constitucionalmente, estão longe de se concretizarem no Estado brasileiro.
Referência
HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Série Ouro. Martin Claret: São Paulo, 2009.
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