Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos

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Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
Jornalista formado pela FAFI-BH,especializado em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pela ESPMG. "O Tribunal Supremo dos EUA decidiu que "só uma imprensa livre e sem amarras pode expôr eficazmente as mentiras de um governo." Nós concordamos."

10 março 2022

Se Putin imagina que pode manter o mundo refém, isso é provavelmente outro erro de cálculo fatal.

 CUSTOS GRAVES E CATASTRÓFICOS!

(Paul Krugman - O Estado de S. Paulo, 09) Quando Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, acho justo afirmar que a maioria dos observadores esperava que ele se sairia bem. Em vez disso, aqui estamos, quase duas semanas depois, com Kiev e Kharkiv ainda resistindo, e as forças invasoras retidas por uma feroz resistência ucraniana – auxiliada pela rápida injeção de armas do Ocidente – e desastrosos problemas logísticos. Ao mesmo tempo, as sanções do Ocidente contra a economia russa claramente já surtem efeitos severos, que podem piorar.

Obviamente, tudo pode mudar. Por agora, contudo, Putin está encarando consequências bem piores do que poderia ter imaginado. Infelizmente, afrontar uma agressão não sai de graça. Os eventos na Ucrânia e na Rússia devem impor, em particular, custos severos à economia mundial. A questão é: quão severos?

Minha resposta preliminar é que serão custos graves, mas não catastróficos. Especificamente, o choque de Putin não parece tão grave quanto os choques do petróleo que abalaram o mundo nos anos 70.

Como naquela época, o golpe na economia mundial ocorre nos preços de commodities. A Rússia é uma grande exportadora de petróleo e gás natural; tanto a Rússia quanto a Ucrânia são – ou eram – grandes exportadores de trigo. Então, a guerra está surtindo grande impacto nos preços tanto da energia quanto dos alimentos.

PETRÓLEO. Comecemos pela energia. Até agora, as sanções aplicadas pela Europa manifestamente não se aplicam às exportações de petróleo e gás natural do país. Os EUA estão banindo importações de petróleo da Rússia, mas isso não importa tanto, já que os EUA podem comprar e a Rússia pode vender em outros mercados.

Os mercados, porém, estão reagindo como se diante da interrupção no fornecimento, seja por futuras sanções ou em razão de empresas globais de energia, temendo reações negativas do público, “autocensurarem” suas compras de petróleo russo. De fato, a Shell, que outro dia comprou petróleo russo a preço baixo, desculpou-se pela compra e afirmou que isso não vai se repetir.

Como resultado, o preço real do petróleo, ajustado pela inflação, saltou quase para o nível que alcançou durante a Revolução Iraniana, em 1979.

Para ser sincero, estou um pouco intrigado pelo tamanho dessa alta de preço. Sim, a Rússia é uma grande produtora de petróleo. Mas sua produção representa apenas cerca de 11% da produção mundial, enquanto produtores do Golfo Pérsico extraíam um terço do petróleo consumido no mundo nos anos 70.

E a Rússia, provavelmente, encontrará maneiras de vender uma significativa fração de sua produção de petróleo, apesar das sanções do Ocidente. Além disso, a economia mundial é atualmente muito menos dependente de petróleo do que costumava ser. O índice de “intensidade” petrolífera – o número de barris de petróleo consumidos em relação a cada dólar do PIB – é hoje metade do que era nos anos 70.

E o que dizer do gás natural? A Europa depende da Rússia para grande parte de seu fornecimento. Mas o consumo de gás é sazonal. Então, o impacto de uma interrupção da Rússia não será tão forte até o fim do ano, o que dá a Europa tempo para adotar medidas que a deixem menos vulnerável.

De maneira geral, então, a crise energética fabricada por Putin será severa, mas provavelmente não será catastrófica. Minha maior preocupação, em relação aos EUA, pelo menos, é política.

Seria difícil pensar que os republicanos poderiam, simultaneamente, exigir que parássemos de comprar petróleo russo e atacar o presidente Joe Biden em razão dos altos preços da gasolina. Quer dizer, seria difícil para alguém que tivesse passado os últimos 25 anos em uma caverna. Na verdade, é exatamente isso que vai acontecer.

TRIGO. Política à parte, os alimentos podem ser na verdade um problema maior do que energia. Antes da guerra de Putin, a Rússia e a Ucrânia juntas eram responsáveis por mais de um quarto das exportações mundiais de trigo. Agora, a Rússia está sob sanções, e a Ucrânia é uma zona de guerra. Não surpreendentemente, os preços do trigo saltaram de menos de US$ 8 o bushel (unidade de medida usada nos EUA), antes da Rússia começar a concentrar suas tropas em torno da Ucrânia, para aproximadamente US$ 13 hoje.

Em regiões ricas, como América do Norte e Europa, esse aumento será doloroso, mas, em grande parte, tolerável, simplesmente porque consumidores de países avançados gastam uma porcentagem relativamente baixa de seus ganhos em comida. Para países mais pobres, onde gastos com alimentação representam uma grande fração dos orçamentos familiares, o choque será muito mais severo.

Finalmente, que impacto a guerra na Ucrânia surtirá sobre a política econômica? A alta nos preços do petróleo e dos alimentos elevarão o índice de inflação, que já está incomodamente alto. Será que o Federal Reserve (Banco Central americano) responderá elevando as taxas de juros, prejudicando o crescimento?

Provavelmente, não. Faz tempo que o foco do Fed deixou de ser a inflação “global”, passando para a inflação “central”, que exclui os voláteis preços dos alimentos e da energia – um foco que fez sentido no passado. Então, o choque de Putin é exatamente o tipo de evento que o Fed normalmente ignoraria. E, ao que tudo indica, os investidores parecem acreditar que o Fed fará exatamente isso: as expectativas do mercado a respeito da política do Fed para os próximos meses parecem não ter mudado.

De maneira geral, o choque russo na economia mundial será desagradável, mas provavelmente não tão desagradável assim. Se Putin imagina que pode manter o mundo refém, isso é provavelmente outro erro de cálculo fatal.

09 março 2022

NO MÉDIO PRAZO PUTIN PERDE A GUERRA E PODE SER DEPOSTO.

 UNIÃO CONTRA GUERRA PODE VIRAR MODELO CONTRA OUTRAS AMEAÇAS!img

(Moisés Naím - O Estado de S. Paulo, 07) Durante meses, Vladimir Putin disse que não tinha nenhuma intenção de invadir a Ucrânia, mas em 24 de fevereiro fez exatamente isso. Desde então, surpresas tornaram-se a norma. O próprio Putin foi surpreendido, já que é óbvio que as coisas não saíram conforme ele antecipava. O ditador superestimou a eficácia de suas Forças Armadas e subestimou as da Ucrânia, que ofereceram uma inesperada resistência. Um devastador ataque cibernético, por exemplo, ainda não se produziu, e a Marinha de Putin dá inesperados sinais de desordem e improvisação.

Também surpreendeu Volodmir Zelenski, o presidente que se converteu em exemplo de valentia e liderança. Por sua vez, o povo ucraniano demonstrou com ações o que significa defender a pátria das investidas de um ditador sanguinário.

Lamentavelmente, tudo o que já ocorreu não permite supor que os ucranianos repelirão o ataque russo. A desproporção entre as forças militares da Rússia e da Ucrânia é enorme. Cabe esperar, entretanto, uma prolongada insurreição da pátria ucraniana contra seus invasores, a qual contará com simpatia do mundo e apoio militar de EUA, Europa e outras potências.

Putin não apenas se equivocou em relação aos ucranianos, mas também subestimou as democracias do mundo. Esta foi a maior surpresa que este conflito nos trouxe até agora. A União Europeia respondeu de maneira unida e coordenada, com seus políticos e burocratas reagindo rapidamente e tomando decisões até pouco tempo atrás inimagináveis.

Os EUA aliaram-se com a Europa e outros países para impor custos proibitivos sobre as agressões de Putin. As democracias do mundo reagiram com velocidade incomum e, em alguns casos, desfizeram pilares fundamentais do que havia sido sua política externa. A Alemanha, por exemplo, decidiu aumentar seu gasto militar e enviar material bélico para as Forças Armadas ucranianas.

A Suíça abandonou o que já foi um fator definidor de sua política externa e até de sua identidade nacional: neutralidade frente a conflitos internacionais. As severas sanções adotadas pela aliança internacional desconectaram a Rússia da economia mundial. Assim, Putin condenou sua população à pobreza e ao isolamento. Tristemente, também veremos mais terror e repressão dirigidos aos russos que se atreverem a exigir um futuro melhor. À medida que a situação piorar, o Kremlin se sentirá mais ameaçado pelos russos que protestam nas ruas e praças do que por democratas de outros países.

Ao mesmo tempo que se aprofunda o isolamento da Rússia, as democracias têm mostrado uma inédita capacidade de se unir e agir conjuntamente em defesa dos valores que compartilham. Projetar e impor as sanções mais severas jamais vistas e coordenar sua adoção entre muitos e muito diferentes países foi muito difícil, mas se conseguiu. Este é um dos mais bem-vindos efeitos colaterais da invasão de Putin: descobrir que as democracias trabalhando juntas são capazes de enfrentar grandes problemas com êxito. Esta experiência pode servir de guia para enfrentar outras perigosas ameaças globais.

Por coincidência, quatro dias depois da invasão à Ucrânia, um painel composto por proeminentes cientistas publicou um relatório que alerta para inéditos danos humanos e materiais que as mudanças climáticas estão causando e para a alarmante velocidade desses danos. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) tem como base pesquisas de milhares de cientistas de todo o mundo.

A principal conclusão é que as catástrofes produzidas pelas mudanças climáticas estão batendo recordes em frequência e custos humanos e materiais. Segundo o relatório, corremos risco de que vastas áreas do planeta tornem-se inabitáveis, incluindo algumas das zonas urbanas mais povoadas.

A crise climática de que o planeta padece é tão ou mais ameaçadora que Vladimir Putin. A invasão é um crime inaceitável, que não pode ser ignorado, e é preciso apoiar aqueles que enfrentam o tirano russo. Mas o mundo deve desenvolver capacidade para responder a mais de uma crise por vez. A Ucrânia não deve ser abandonada, mas a luta contra o aquecimento global também não. Esta última é muito difícil, mas agora sabemos que, agindo em conjunto, o mundo pode alcançar coisas difíceis.

Os líderes das democracias do mundo mostraram que, frente a uma ameaça existencial, as políticas as podem mudar decisiva e rapidamente. É hora de usarem com valentia o superpoder que a crise na Ucrânia lhes ajudou a descobrir para atacar a outra grande crise que a humanidade enfrenta.

04 março 2022

PAULO GUEDES NÃO ACEITA OPINIÃO DO FMI SOBRE ECONOMIA BRASILEIRA

 
img(O Estado de S. Paulo, 10) Superado com vigor o primeiro impacto da pandemia, a economia latino-americana perde impulso, volta ao ritmo anterior ao surto de covid-19 e se defronta com três desafios simultâneos: garantir contas públicas sustentáveis, elevar o potencial de crescimento econômico e promover importantes ganhos sociais, favorecendo a coesão e combatendo as desigualdades. Formulados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), o diagnóstico e a receita são dificilmente contestáveis por qualquer político responsável, informado e disposto a trabalhar pelo desenvolvimento de seu país e da região. Nesse quadro, as perspectivas de expansão do Brasil são inferiores, sem surpresa, às de outras grandes economias da América Latina e do Caribe – uma desvantagem visível já no período petista e mantida, e até agravada, nos três anos de mandato já completados pela presente administração.

A forte reação econômica foi suficiente, no ano passado, para a maior parte da região voltar aos níveis de atividade anteriores à pandemia, normais para os latino-americanos e geralmente inferiores aos de outros emergentes, principalmente da Ásia. O Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e do Caribe encolheu 6,9% em 2020, cresceu 6,8% em 2021 e deve expandir-se 2,4% neste ano e 2,6% no próximo, segundo informe do Departamento do Hemisfério Ocidental do FMI, desde janeiro chefiado pelo brasileiro Ilan Goldfajn, ex-presidente do Banco Central do Brasil. Na América do Sul, o PIB deve aumentar 1,8% em 2022 e 2,2% em 2023. O ganho estimado para 2021, de 7,1%, compensou com folga a perda de 6,5% na onda inicial da pandemia. Nessas contas, a economia brasileira se distingue duplamente das demais.

A primeira diferença aparece no balanço de 2020. Nesse ano o PIB do Brasil diminuiu 3,9%, num recuo bem menor que o observado em outros países da América Latina e de grande parte do mundo capitalista – uma vantagem proclamada mais de uma vez pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A segunda, bem visível quando se volta ao cenário mais comum, confirma o menor vigor da economia brasileira, já evidente em anos anteriores ao choque inicial da pandemia.

O crescimento projetado para o Brasil – de 0,3% em 2022 e de 1,6% em 2023 – é bem inferior ao estimado para outras economias da região. Exemplo: depois de uma perda de 5,9% em 2020, a produção chilena cresceu 12% em 2021 e deve aumentar 1,9% neste ano e também no próximo. As taxas estimadas para a Colômbia são de 4,5% em 2022 e de 3,7% em 2023. O salto do ano passado, de 10,2%, superou amplamente a queda de 2020, estimada em 6,8%.

Houve avanços inegáveis na maior parte da América Latina, no último quarto de século. As economias ficaram menos frágeis, houve menos crises graves e os países tornaram-se menos dependentes do socorro do FMI. Acordos de financiamento ainda foram assinados, mas em situações menos dramáticas e acompanhados de condições mais suaves.

No Brasil, o cenário favorável durou cerca de dez anos, neste século. Os padrões de governo começaram a ser afrouxados no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e entraram em colapso nos primeiros anos da presidente Dilma Rousseff. Muitos bilhões foram queimados em políticas erradas, como a dos “campeões nacionais”, enquanto se deteriorava a infraestrutura, a ineficiência era favorecida pelo protecionismo, a Petrobras era pilhada e a indústria de transformação perdia competitividade e relevância. A recuperação econômica nunca se completou, depois da recessão de 2015-2016, e as noções de planos e programas federais praticamente sumiram a partir de 2019.

O Brasil tem recuado duplamente – em relação à própria história de modernização econômica e em relação aos padrões mundiais e regionais. Embora menos industrializados, outros países latino-americanos têm mostrado dinamismo bem maior que o brasileiro, condições fiscais mais saudáveis e menor propensão a surtos inflacionários. As novas projeções do FMI confirmam a evidente desvantagem brasileira, mas quem, no Ministério da Economia, ainda leva a sério o FMI?