(O Estado de S. Paulo, 01) No fim dos anos 90 era comum ler
articulistas entusiasmados com o formidável potencial da rede digital de
turbinar a democratização da informação e a participação democrática.
Duas décadas depois, há amplas evidências de agentes políticos
manipulando eleições por meio de instrumentos algorítmicos de
publicidade das redes sociais, como mensagens subliminares,
microestímulos psicológicos ou ferramentas de recompensas e punições em
tempo real. Computando traços de personalidade, disposições
comportamentais, interesses, preocupações e vulnerabilidades, mecanismos
de Inteligência Artificial podem, por exemplo, identificar prováveis
eleitores de adversários políticos e bombardeá-los com conteúdo tóxico
projetado para dissuadi-los de ir às urnas.
Os mecanismos para provocar essas e outras mudanças
comportamentais em escala massiva foram forjados pelo novo sistema
econômico que Shoshana Zuboff, uma das principais pesquisadoras da Era
da Informação, denominou “Capitalismo de Vigilância”. Ele mantém
elementos do capitalismo tradicional – como propriedade privada, trocas
comerciais e lucros –, mas que só são concretizados através de relações
de vigilância. Experiências humanas outrora consideradas privadas são
computadas, armazenadas como propriedade privada e codificadas em dados
comportamentais originariamente manipulados a serviço de interesses
comerciais, mas cada vez mais como arsenais de guerras políticas ou
culturais.
“Nossos espaços de informação e comunicação como um projeto de
mercado são um experimento social fracassado, e esse experimento deixou
um rastro de destroços sociais”, disse Zuboff, em seminário do Instituto
FHC. “Entre esses destroços vemos a completa destruição da privacidade,
a anulação de direitos fundamentais, a intensificação da desigualdade
social, o envenenamento do discurso social, sociedades divididas, normas
sociais demolidas e instituições democráticas enfraquecidas.”
Há um século as democracias forjaram leis para quebrar
concentrações de poder econômico que vulneravam trabalhadores e
consumidores. Mas essas leis não são capazes de proteger as sociedades
contemporâneas da economia de vigilância digital. O poder das Big Techs
não é primariamente econômico, mas social. Seus danos não estão
restritos à cadeia econômica de trabalhadores e consumidores, mas a uma
nova categoria humana, os “usuários”, ou seja, todos nós, a todo tempo,
em todo lugar.
Em uma civilização da informação, diz Zuboff, os princípios da
ordem social derivam de três questões cruciais, sobre o conhecimento, a
autoridade sobre o conhecimento e o poder que sustenta essa autoridade:
1) quem conhece?; 2) quem escolhe quem conhece?; e 3) quem escolhe quem
escolhe quem conhece? “As gigantes tecnológicas detêm a resposta a cada
uma dessas perguntas, embora não as tenhamos eleito para governar.”
As democracias enfrentam uma questão fundamental: como
estruturar, organizar e governar a informação e a infraestrutura de
comunicação de modo que elas sejam não só compatíveis com a democracia,
mas a fortaleçam? Para respondê-la, ao menos quatro desafios precisarão
ser encarados de frente: a atualização das leis antimonopólio; o modelo
de negócios das gigantes digitais fundado no armazenamento e manipulação
de dados pessoais; o seu poder de controle da informação e censura; e o
seu alcance sobre jovens e crianças.
Não há soluções pré-fabricadas para esses desafios, e é bom que
assim seja, porque elas precisarão ser forjadas no crisol do debate
democrático e em suas instâncias de representação política. O desafio é
ainda maior quando se considera que a revolução digital é transnacional,
e, tal como com as mudanças climáticas, só um esforço global coordenado
poderá conduzi-la aos fins esperados.
Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos
- Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos - Pós Graduado em GSSS - Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde.
- Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
- Jornalista formado pela FAFI-BH,especializado em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pela ESPMG. "O Tribunal Supremo dos EUA decidiu que "só uma imprensa livre e sem amarras pode expôr eficazmente as mentiras de um governo." Nós concordamos."
04 janeiro 2022
A ‘CONTRARREVOLUÇÃO DEMOCRÁTICA’!
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