Por Luís Eduardo Assis, economista, ex-diretor de Política
Monetária do Banco Central e professor de Economia da PUC-SP e FGV-SP - O
Estado de S. Paulo, 20
A taxa de desemprego cravou 10,5% no trimestre
terminado em abril último. Isso significa uma queda de 4,3 pontos
porcentuais em relação ao mesmo período do ano passado, a redução mais
forte da série histórica. Não só nos recuperamos do choque provocado
pela pandemia, como voltamos para o patamar do começo de 2016.
Em 2019, quando a taxa girava em torno de 12%, o presidente
Bolsonaro deu-se ares de especialista, criticou a metodologia adotada e
disse que o índice do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE) parecia ser feito para “enganar a população”. Não se sabe de
manifestação do presidente agora que a taxa caiu.
A notícia é boa, mas não se ouvem as fanfarras. O comedimento
tem razão. A queda do desemprego convive com uma forte deterioração das
condições de vida da população mais pobre. Pesquisa coordenada pela Rede
Penssan (II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar) registra
que, em 2022, 33 milhões de pessoas sofrem de insuficiência alimentar
grave – ou seja, passam fome.
Em relação à pesquisa anterior, de 2020, o número de
brasileiros nessa situação aumentou nada menos que 73%. Nas famílias com
renda per capita inferior a 25% do salário mínimo, a fome foi
registrada em 43% dos casos (era 22,8% em 2020). O índice cai para 3%
nas famílias com renda per capita acima de um salário.
É estarrecedor, não só pelo nível abjeto em que nos
encontramos, como pela velocidade da deterioração. Há quem use a taxa de
desemprego para desacreditar a pesquisa sobre insegurança alimentar. Se
o desemprego cai, por que a fome aumenta?
A fome aumenta porque esse governo se empenhou em desmontar
programas e políticas sociais focados na segurança alimentar, justamente
quando os preços dos produtos agrícolas explodiram. E também porque a
queda do desemprego foi acompanhada pelo declínio da renda, fruto do
aumento do trabalho precário.
A média dos rendimentos reais nos últimos 12 meses até abril de
2022 ficou em R$ 2.708,50, o valor mais baixo desde outubro de 2013. A
massa de rendimentos reais voltou aos níveis de 2017. Ou seja, a queda
do rendimento médio foi tão grande que o aumento do emprego não evitou a
redução da massa de ganhos.
A fome tem rosto, tem nome e tem endereço. Tem também origem.
Essa catástrofe que nos envergonha deriva da pérfida combinação entre
erros da política econômica e desprezo pelos mais pobres. As
consequências políticas são visíveis nas pesquisas de opinião.
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