(O Estado de SP, 14) As comunidades na região onde
desapareceram Bruno Pereira e Dom Phillips sofrem forte influência dos
cartéis de Miami, Medellín e Sinaloa, informa o enviado Vinícius Valfré.
Cartéis de drogas de Miami, Medellín e Sinaloa mantêm um Estado
paralelo no Alto Solimões, na Amazônia. É um Brasil onde até o poder
público precisa seguir regras impostas pelo crime. O Estadão teve acesso
a informações sigilosas que fazem parte de investigações sobre o
contexto do desaparecimento do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do
jornalista inglês Dom Phillips e que revelam a existência de uma cadeia
criminosa em plena atividade pelos rios, florestas e cidades da
tríplice fronteira com a Colômbia e o Peru.
As comunidades ribeirinhas nas margens do Rio Itaquaí, que
deságua no Javari, afluente do Solimões, sofrem forte influência do
tráfico, como as de São Rafael, de São Gabriel e de Ladário. Foi da
comunidade de São Rafael que Pereira e Phillips partiram no último dia 5
em direção a Atalaia até não serem mais vistos.
Trata-se de megaesquema de transporte de armas e drogas,
pistolagem e lavagem de dinheiro que tem impacto na economia de nove
municípios com o mercado de entorpecentes e de pesca e caça ilegais em
uma região de 213 mil km² de floresta, maior que o território do Estado
do Paraná.
Do outro lado do rio Javari, em território peruano, as
plantações de coca podem ser encontradas em meia hora de viagem. Nas
cidades dessa área de fronteira, a emissão de notas fiscais é raridade.
Sem controle do Fisco, o dinheiro dos cartéis se mistura ao de negócios
constituídos para dar aparência de legalidade aos esquemas que aliciam
comerciantes, atravessadores, pescadores, caçadores e políticos locais.
A reportagem reconstituiu a rede do crime a partir de
documentos e conversas com agentes ligados às investigações, autoridades
da segurança pública do Amazonas, advogados que atuam na fronteira,
ribeirinhos, indígenas e pessoas com acessos a traficantes de drogas.
Dos três cartéis internacionais, o de Medellín predomina no Alto
Solimões, região que compreende os municípios de Tabatinga, Benjamin
Constant e Atalaia do Norte.
ORDEM. A polícia trabalha com a suspeita de que um atravessador
com dupla nacionalidade tenha dado uma ordem para que o pescador
Amarildo Costa, o Pelado, preso temporariamente, matasse Pereira por
causa de prejuízos ao negócio ilegal da pesca que o indigenista vinha
causando com fiscalizações. Como mostrou o Estadão, Pereira treinou uma
equipe de vigilância indígena capaz de documentar a ação de infratores
em territórios preservados, e a medida prejudicava o fluxo criminoso.
O atravessador, conhecido como Colômbia, tem propriedades em
Benjamin Constant, segundo as investigações. No entanto, atua nas
sombras. Apesar de estar no radar de policiais há anos, investigadores
de campo relataram à reportagem que só viram a primeira fotografia dele
há três dias.
Um policial federal ouvido sob anonimato disse que traficantes
que dominam as calhas dos rios Ituí, Itaquaí e Javari são só a base de
uma rede maior. Eles atuam como “capatazes” para intermediários que, em
cidades como Tabatinga, assumem negócios legais, como restaurantes,
cafés e hotéis, para lavar dinheiro. Esses intermediários prestam contas
a líderes dos cartéis internacionais.
Ribeirinhos e pescadores como Pelado e outros sob investigação
têm papel fundamental para os traficantes. Eles agem como líderes nas
comunidades e conseguem dar vazão a produtos extraídos da floresta. Com
isso, traficantes conseguem reforçar a aparência de legalidade de seus
negócios e passam a ter a condescendência de ribeirinhos para operar
rotas de drogas para outros Estados e para a Europa.
Apesar de toda a movimentação militar em Atalaia, amigos de
Pelado continuam entrando e saindo de terras indígenas com embarcações
que levam freezers para pescados. Um deles, conhecido como Caboclo, foi
flagrado pela reportagem próximo a um dos “furos” (atalhos) do Itaquaí.
Ele é monitorado pela polícia e já prestou depoimentos. Até agora, é
tratado como testemunha.
Na fronteira, o mercado de pesca ilegal, sobretudo a do
ameaçado pirarucu, de tracajás e tartarugas, não foi suspenso mesmo com
os olhos do mundo voltados para a Amazônia. Numa apreensão no dia 23 de
março, Pereira causou um prejuízo avaliado em mais de R$ 120 mil a
exploradores, segundo relatos de fontes que atuam nas investigações.
As informações levantadas pelos indígenas e demais integrantes
da equipe de Pereira possibilitaram a apreensão no porto de Atalaia de
mais de uma tonelada de pirarucu e de carne de anta. O barco de valor
estimado em R$ 70 mil também foi confiscado. Uma tartaruga adulta é
vendida por cerca de R$ 1 mil no mercado paralelo.
DINÂMICA. Responsável pela criação da Divisão de Repressão aos
Crimes contra o Meio Ambiente e Patrimônio Histórico da PF, nos anos
2000, o delegado Jorge Pontes afirmou que o interesse de
narcotraficantes em explorar criminosos ambientais se dá pela diferença
nas punições aos dois crimes. A extração ilegal de recursos naturais tem
pena considerada branda, na comparação com a de tráfico internacional
de drogas. “Os traficantes perceberam que essas atividades são
extremamente lucrativas e a reprimenda para esses crimes ambientais é
muito baixa”, disse Pontes. “E os crimes ambientais têm suporte de
políticos, porque essas atividades financiam campanhas.”
O delegado liderou diversas apreensões na Amazônia. “Percebia
que os barcos levavam de tudo, de tartarugas e armas a grupos de
garimpeiros. É uma área sem lei. Tem havido um recrudescimento por falta
de fiscalização”, afirmou.
Em Atalaia do Norte, dois procuradores da prefeitura, escalados
pelo chefe do Executivo local, chegaram a assumir a defesa do pescador
que teve a prisão temporária decretada. Eles foram escolhidos pelo
prefeito Denis Paiva (PSC), que justificou a “coincidência” dizendo que
faltam advogados no município.
Paiva foi vereador em 2008 e está no primeiro mandato como
prefeito. Declarou R$ 91 mil na campanha de 2020. Do total, o valor de
R$ 1 mil foi em doação privada. O restante veio do partido. “É um
município onde todo mundo se reporta ao prefeito. Eu não conheço as
pessoas como criminoso, conheço como pescador”, disse Paiva.
Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos
- Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos - Pós Graduado em GSSS - Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde.
- Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
- Jornalista formado pela FAFI-BH,especializado em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pela ESPMG. "O Tribunal Supremo dos EUA decidiu que "só uma imprensa livre e sem amarras pode expôr eficazmente as mentiras de um governo." Nós concordamos."
18 junho 2022
CARTÉIS DE DROGA E ARMAS DOMINAM REGIÃO ONDE DUPLA SUMIU!
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