ARTE DA VIGILÂNCIA EM ALTA NA AMÉRICA LATINA!
(O Estado de S. Paulo, 25) O New York Times noticiou no mês
passado que a mais graduada autoridade em direitos humanos do México,
Alejandro Encinas, amigo pessoal do presidente Andrés Manuel López
Obrador, foi alvo repetidamente do spyware Pegasus enquanto investigava
abusos nas Forças Armadas mexicanas. Tratou-se da mais recente revelação
de uma série de escândalos envolvendo um dispendioso caso de amor entre
as forças policiais do México e uma das mais notórias ferramentas
usadas por hackers.
Análises forenses confirmaram o uso do Pegasus, uma ferramenta
licenciada para agências do governo que possibilita acesso remoto total
ao dispositivo do alvo, para vigiar jornalistas e ativistas da sociedade
civil em três países latino-americanos: México, El Salvador e, mais
recentemente, República Dominicana.
Isso é parte de uma tendência regional mais ampla, na qual mais
latino-americanos do que nunca estão tendo movimentos, comunicações e
até as temperaturas corporais monitorados por seus governos. Por todo o
Hemisfério, governos têm assinado contratos lucrativos para empresas
comprando ferramentas de monitoramento — não todas tão invasivas quanto o
Pegasus, certamente, mas ainda com potencial para causar alarme em uma
região com histórico de agências de inteligência vigiando cidadãos de
seus próprios países com pouca transparência, sem supervisão nem
divulgação de informações básicas a respeito do seu uso.
“O grau de intrusão e naturalização dessas tecnologias tem
avançado na região ao longo dos 10 anos recentes”, afirmou Veridiana
Alimonti, diretora-associada para políticas latino-americanas da
Electronic Frontier Foundation.
Ainda que a evolução e a implementação cada vez mais rápida das
tecnologias de vigilância sejam questões globais, alguns especialistas
afirmam que a América Latina é particularmente vulnerável. Eles
argumentam que os ordenamentos jurídicos especialmente frágeis na região
associados a orçamentos generosos para agências de inteligência e
forças policiais comprarem ferramentas de combate ao crime criam um
ambiente propício para abusos.
Cynthia Piccolo, diretora-executiva do LAPIN, um instituto,
para pesquisa em políticas digitais sediado no Brasil, divide o
guarda-chuva das “tecnologias de vigilância” em três elementos
principais. O primeiro, hackeamentos do governo, inclui ferramentas que
possibilitam acesso remoto a dispositivos móveis. A segunda categoria,
cobrindo sistemas de vigilância em massa e coleta de dados biométricos, é
mais integrada às vidas dos cidadãos, envolvendo recursos como câmeras
de tráfego e softwares de reconhecimento facial em estádios de futebol. O
terceiro elemento envolve a integração de diferentes bancos de dados
oficiais, como combinar registros de saúde pública e policiais ou
colaborações internacionais entre forças de segurança.
No México, agências federais e estaduais gastaram mais de US$
14,4 milhões em contratos de aquisição de spyware apenas entre 2018 e
2021, de acordo com dados coletados por e-consulta na plataforma
jornalística Connectas e na Rede em Defesa dos Direitos Digitais (R3D).
Autoridades mexicanas, incluindo as Forças Armadas, também usaram
repetidamente o Pegasus contra ativistas e jornalistas.
O ex-presidente panamenho Ricardo Martinelli supostamente usou o
caro spyware prolificamente — procuradores o acusaram de desviar mais
de US$ 13 milhões para criar uma divisão de inteligência secreta que
espionava competidores nos negócios, oponentes políticos, líderes de
sindicatos e jornalistas. (Martinelli nega qualquer infração.) O
Dispositivo Universal de Extração Forense (UFED), da Cellebrite, uma
ferramenta de análise forense que extrai informações de dispositivos
móveis, foi acionada na América Latina por agências policiais em países
que incluem a Argentina, segundo um registro do governo, e Honduras, de
acordo com o Departamento de Estado americano. Tecnologia vendida pela
empresa de inteligência Circles capaz de identificar a localização de um
dispositivo simplesmente por meio do número de sua linha telefônica foi
detectada em El Salvador, Guatemala, Honduras, México, Peru, Chile e
Equador.
No Brasil, onde o uso de tecnologias de reconhecimento facial
tem se ampliado significativamente desde 2021 de acordo com o LAPIN, o
Ministério da Justiça criou um software chamado Cortex, que integra
leitores automáticos de placas de veículos a redes de câmeras de
vigilância e outros bancos de dados para acompanhar em tempo real a
movimentação de indivíduos.
Especialistas afirmam que programas desse tipo — nos quais
dados de localização são coletados em massa em vez de mirar indivíduos
suspeitos de crimes — levantam preocupações a respeito de privacidade e
outras violações de direitos. Outros países, incluindo todo o Cone Sul,
lançaram iniciativas similares contra a criminalidade utilizando
reconhecimento facial e redes de monitoramento por câmeras.
A dependência em relação a dados biométricos para intervenções
de saúde pública durante a pandemia de covid-19 apenas acelerou essa
tendência. Os governos introduziram câmeras térmicas em centros de
transporte público e monitoraram os movimentos dos usuários para
garantir o cumprimento de medidas de lockdown com pouco escrutínio em
relação à maneira que os dados seriam usados ou armazenados.
A falta de supervisão é especialmente problemática, afirmam
especialistas. “Como é possível garantir direitos sem nenhuma
possibilidade de escrutínio?”, disse Alimonti. “Não existem mecanismos
para controle e responsabilização. Na hora que a pessoa descobre que foi
alvo, é tarde demais.”
“(Autoridades) assinam contratos sabendo que não há
transparência, que eles não percorrem um processo normal de consulta
pública”, disse Piccolo à AQ. “Há uma narrativa de que ‘essas
tecnologias melhorarão a segurança pública’, então nós vamos em frente,
compramos e é isso aí.”
Os fabricantes — a maioria empresas com base em Israel, China,
Japão, Reino Unido, França e Estados Unidos — sustentam que seus
produtos e atividades são legais, mas com frequência desviam de
responsabilidade pelas ações de seus clientes.
Em muitos lugares, a lei simplesmente não acompanhou o avanço
da tecnologia, e vendedores e compradores exploram essas lacunas. Mesmo
países com legislação mais robusta, como a lei brasileira de proteção de
dados, com frequência garantem amplas isenções a agências de segurança
pública.
“Os fornecedores tiram vantagem desse vácuo jurídico, tentam
legalizar as tecnologias sem usar uma lei específica porque não existe
nenhuma lei específica”, afirmou Piccolo. “E todas essas agências querem
comprar essas tecnologias para segurança pública e portanto ignoram a
lei. É uma área cinzenta, e tira-se vantagem disso.”
Tais acertos dão a Estados subterfúgios para justificar o
monitoramento de movimentos e comunicações de seus alvos mesmo sem ordem
judicial — como no México, onde procuradores federais usaram a lei
anticrime para acessar registros telefônicos de três pessoas que
investigavam um massacre ocorrido em 2011.
“São tecnologias projetadas para minar direitos humanos”,
afirmou Ángela Alarcón, que organiza campanhas para América Latina e
Caribe na ONG de direitos digitais Access Now.
Mas uma análise recente de 23 fabricantes de tecnologias,
conduzida pela Access Now, pelo instituto LAPIN e outras organizações,
constatou que as empresas não deixam claro se levam em conta registros
de abusos de direitos humanos de possíveis clientes.
Isso é crítico, notou Alarcón, porque os contratos e as
ferramentas pertencem ao Estado, não a alguma autoridade ou partido.
“Esses instrumentos ficam disponíveis para governos futuros, não apenas
para as figuras que ocupam o poder neste momento.”
Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos
- Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos - Pós Graduado em GSSS - Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde.
- Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
- Jornalista formado pela FAFI-BH,especializado em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pela ESPMG. "O Tribunal Supremo dos EUA decidiu que "só uma imprensa livre e sem amarras pode expôr eficazmente as mentiras de um governo." Nós concordamos."
30 junho 2023
Spyware Pegasus > É um software espião que esta sendo usados pelos governos latino americanos para vigiar oposição, jornalistas e quem eles quiserem.
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