CUSTOS GRAVES E CATASTRÓFICOS!
(Paul Krugman - O Estado de S. Paulo, 09) Quando Vladimir Putin
invadiu a Ucrânia, acho justo afirmar que a maioria dos observadores
esperava que ele se sairia bem. Em vez disso, aqui estamos, quase duas
semanas depois, com Kiev e Kharkiv ainda resistindo, e as forças
invasoras retidas por uma feroz resistência ucraniana – auxiliada pela
rápida injeção de armas do Ocidente – e desastrosos problemas
logísticos. Ao mesmo tempo, as sanções do Ocidente contra a economia
russa claramente já surtem efeitos severos, que podem piorar.
Obviamente, tudo pode mudar. Por agora, contudo, Putin está
encarando consequências bem piores do que poderia ter imaginado.
Infelizmente, afrontar uma agressão não sai de graça. Os eventos na
Ucrânia e na Rússia devem impor, em particular, custos severos à
economia mundial. A questão é: quão severos?
Minha resposta preliminar é que serão custos graves, mas não
catastróficos. Especificamente, o choque de Putin não parece tão grave
quanto os choques do petróleo que abalaram o mundo nos anos 70.
Como naquela época, o golpe na economia mundial ocorre nos
preços de commodities. A Rússia é uma grande exportadora de petróleo e
gás natural; tanto a Rússia quanto a Ucrânia são – ou eram – grandes
exportadores de trigo. Então, a guerra está surtindo grande impacto nos
preços tanto da energia quanto dos alimentos.
PETRÓLEO. Comecemos pela energia. Até agora, as sanções
aplicadas pela Europa manifestamente não se aplicam às exportações de
petróleo e gás natural do país. Os EUA estão banindo importações de
petróleo da Rússia, mas isso não importa tanto, já que os EUA podem
comprar e a Rússia pode vender em outros mercados.
Os mercados, porém, estão reagindo como se diante da
interrupção no fornecimento, seja por futuras sanções ou em razão de
empresas globais de energia, temendo reações negativas do público,
“autocensurarem” suas compras de petróleo russo. De fato, a Shell, que
outro dia comprou petróleo russo a preço baixo, desculpou-se pela compra
e afirmou que isso não vai se repetir.
Como resultado, o preço real do petróleo, ajustado pela
inflação, saltou quase para o nível que alcançou durante a Revolução
Iraniana, em 1979.
Para ser sincero, estou um pouco intrigado pelo tamanho dessa
alta de preço. Sim, a Rússia é uma grande produtora de petróleo. Mas sua
produção representa apenas cerca de 11% da produção mundial, enquanto
produtores do Golfo Pérsico extraíam um terço do petróleo consumido no
mundo nos anos 70.
E a Rússia, provavelmente, encontrará maneiras de vender uma
significativa fração de sua produção de petróleo, apesar das sanções do
Ocidente. Além disso, a economia mundial é atualmente muito menos
dependente de petróleo do que costumava ser. O índice de “intensidade”
petrolífera – o número de barris de petróleo consumidos em relação a
cada dólar do PIB – é hoje metade do que era nos anos 70.
E o que dizer do gás natural? A Europa depende da Rússia para
grande parte de seu fornecimento. Mas o consumo de gás é sazonal. Então,
o impacto de uma interrupção da Rússia não será tão forte até o fim do
ano, o que dá a Europa tempo para adotar medidas que a deixem menos
vulnerável.
De maneira geral, então, a crise energética fabricada por Putin
será severa, mas provavelmente não será catastrófica. Minha maior
preocupação, em relação aos EUA, pelo menos, é política.
Seria difícil pensar que os republicanos poderiam,
simultaneamente, exigir que parássemos de comprar petróleo russo e
atacar o presidente Joe Biden em razão dos altos preços da gasolina.
Quer dizer, seria difícil para alguém que tivesse passado os últimos 25
anos em uma caverna. Na verdade, é exatamente isso que vai acontecer.
TRIGO. Política à parte, os alimentos podem ser na verdade um
problema maior do que energia. Antes da guerra de Putin, a Rússia e a
Ucrânia juntas eram responsáveis por mais de um quarto das exportações
mundiais de trigo. Agora, a Rússia está sob sanções, e a Ucrânia é uma
zona de guerra. Não surpreendentemente, os preços do trigo saltaram de
menos de US$ 8 o bushel (unidade de medida usada nos EUA), antes da
Rússia começar a concentrar suas tropas em torno da Ucrânia, para
aproximadamente US$ 13 hoje.
Em regiões ricas, como América do Norte e Europa, esse aumento
será doloroso, mas, em grande parte, tolerável, simplesmente porque
consumidores de países avançados gastam uma porcentagem relativamente
baixa de seus ganhos em comida. Para países mais pobres, onde gastos com
alimentação representam uma grande fração dos orçamentos familiares, o
choque será muito mais severo.
Finalmente, que impacto a guerra na Ucrânia surtirá sobre a
política econômica? A alta nos preços do petróleo e dos alimentos
elevarão o índice de inflação, que já está incomodamente alto. Será que o
Federal Reserve (Banco Central americano) responderá elevando as taxas
de juros, prejudicando o crescimento?
Provavelmente, não. Faz tempo que o foco do Fed deixou de ser a
inflação “global”, passando para a inflação “central”, que exclui os
voláteis preços dos alimentos e da energia – um foco que fez sentido no
passado. Então, o choque de Putin é exatamente o tipo de evento que o
Fed normalmente ignoraria. E, ao que tudo indica, os investidores
parecem acreditar que o Fed fará exatamente isso: as expectativas do
mercado a respeito da política do Fed para os próximos meses parecem não
ter mudado.
De maneira geral, o choque russo na economia mundial será
desagradável, mas provavelmente não tão desagradável assim. Se Putin
imagina que pode manter o mundo refém, isso é provavelmente outro erro
de cálculo fatal.
Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos
- Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos - Pós Graduado em GSSS - Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde.
- Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
- Jornalista formado pela FAFI-BH,especializado em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pela ESPMG. "O Tribunal Supremo dos EUA decidiu que "só uma imprensa livre e sem amarras pode expôr eficazmente as mentiras de um governo." Nós concordamos."
10 março 2022
Se Putin imagina que pode manter o mundo refém, isso é provavelmente outro erro de cálculo fatal.
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