UNIÃO CONTRA GUERRA PODE VIRAR MODELO CONTRA OUTRAS AMEAÇAS!
(Moisés Naím - O Estado de S. Paulo, 07) Durante meses,
Vladimir Putin disse que não tinha nenhuma intenção de invadir a
Ucrânia, mas em 24 de fevereiro fez exatamente isso. Desde então,
surpresas tornaram-se a norma. O próprio Putin foi surpreendido, já que é
óbvio que as coisas não saíram conforme ele antecipava. O ditador
superestimou a eficácia de suas Forças Armadas e subestimou as da
Ucrânia, que ofereceram uma inesperada resistência. Um devastador ataque
cibernético, por exemplo, ainda não se produziu, e a Marinha de Putin
dá inesperados sinais de desordem e improvisação.
Também surpreendeu Volodmir Zelenski, o presidente que se
converteu em exemplo de valentia e liderança. Por sua vez, o povo
ucraniano demonstrou com ações o que significa defender a pátria das
investidas de um ditador sanguinário.
Lamentavelmente, tudo o que já ocorreu não permite supor que os
ucranianos repelirão o ataque russo. A desproporção entre as forças
militares da Rússia e da Ucrânia é enorme. Cabe esperar, entretanto, uma
prolongada insurreição da pátria ucraniana contra seus invasores, a
qual contará com simpatia do mundo e apoio militar de EUA, Europa e
outras potências.
Putin não apenas se equivocou em relação aos ucranianos, mas
também subestimou as democracias do mundo. Esta foi a maior surpresa que
este conflito nos trouxe até agora. A União Europeia respondeu de
maneira unida e coordenada, com seus políticos e burocratas reagindo
rapidamente e tomando decisões até pouco tempo atrás inimagináveis.
Os EUA aliaram-se com a Europa e outros países para impor
custos proibitivos sobre as agressões de Putin. As democracias do mundo
reagiram com velocidade incomum e, em alguns casos, desfizeram pilares
fundamentais do que havia sido sua política externa. A Alemanha, por
exemplo, decidiu aumentar seu gasto militar e enviar material bélico
para as Forças Armadas ucranianas.
A Suíça abandonou o que já foi um fator definidor de sua
política externa e até de sua identidade nacional: neutralidade frente a
conflitos internacionais. As severas sanções adotadas pela aliança
internacional desconectaram a Rússia da economia mundial. Assim, Putin
condenou sua população à pobreza e ao isolamento. Tristemente, também
veremos mais terror e repressão dirigidos aos russos que se atreverem a
exigir um futuro melhor. À medida que a situação piorar, o Kremlin se
sentirá mais ameaçado pelos russos que protestam nas ruas e praças do
que por democratas de outros países.
Ao mesmo tempo que se aprofunda o isolamento da Rússia, as
democracias têm mostrado uma inédita capacidade de se unir e agir
conjuntamente em defesa dos valores que compartilham. Projetar e impor
as sanções mais severas jamais vistas e coordenar sua adoção entre
muitos e muito diferentes países foi muito difícil, mas se conseguiu.
Este é um dos mais bem-vindos efeitos colaterais da invasão de Putin:
descobrir que as democracias trabalhando juntas são capazes de enfrentar
grandes problemas com êxito. Esta experiência pode servir de guia para
enfrentar outras perigosas ameaças globais.
Por coincidência, quatro dias depois da invasão à Ucrânia, um
painel composto por proeminentes cientistas publicou um relatório que
alerta para inéditos danos humanos e materiais que as mudanças
climáticas estão causando e para a alarmante velocidade desses danos. O
relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (IPCC) tem
como base pesquisas de milhares de cientistas de todo o mundo.
A principal conclusão é que as catástrofes produzidas pelas
mudanças climáticas estão batendo recordes em frequência e custos
humanos e materiais. Segundo o relatório, corremos risco de que vastas
áreas do planeta tornem-se inabitáveis, incluindo algumas das zonas
urbanas mais povoadas.
A crise climática de que o planeta padece é tão ou mais
ameaçadora que Vladimir Putin. A invasão é um crime inaceitável, que não
pode ser ignorado, e é preciso apoiar aqueles que enfrentam o tirano
russo. Mas o mundo deve desenvolver capacidade para responder a mais de
uma crise por vez. A Ucrânia não deve ser abandonada, mas a luta contra o
aquecimento global também não. Esta última é muito difícil, mas agora
sabemos que, agindo em conjunto, o mundo pode alcançar coisas difíceis.
Os líderes das democracias do mundo mostraram que, frente a uma
ameaça existencial, as políticas as podem mudar decisiva e rapidamente.
É hora de usarem com valentia o superpoder que a crise na Ucrânia lhes
ajudou a descobrir para atacar a outra grande crise que a humanidade
enfrenta.
Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos
- Jornalista Jarbas Cordeiro de Campos - Pós Graduado em GSSS - Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde.
- Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil
- Jornalista formado pela FAFI-BH,especializado em Gestão de Sistemas e Serviços de Saúde pela ESPMG. "O Tribunal Supremo dos EUA decidiu que "só uma imprensa livre e sem amarras pode expôr eficazmente as mentiras de um governo." Nós concordamos."
09 março 2022
NO MÉDIO PRAZO PUTIN PERDE A GUERRA E PODE SER DEPOSTO.
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