Ficha suja não terá chance
Procurador eleitoral diz que legislação é caótica e não pune políticos com rigor.
"Não me parece adequado que o presidente da República, ocupante do cargo da mais alta hierarquia do Brasil, dê o mau exemplo de descumprir a legislação eleitoral, como também fazer pouco caso dela" .
Aos 34 anos, Felipe Peixoto Braga Netto será um dos principais responsáveis, ao lado da Justiça Eleitoral, pela garantia de eleições limpas e em condições iguais para todos os participantes. Professor de direito civil e integrante do Ministério Público Federal há cerca de 10 anos, no mês passado, ele foi eleito o novo procurador regional eleitoral do estado.
Caberá a ele coordenar todos os procuradores eleitorais de Minas e também analisar todos os pedidos de registro candidatura do estado, segundo maior colégio eleitoral do país e que tradicionalmente possuiu o maior número de candidatos em todos os pleitos. Entusiasta do Ficha Limpa, ele avisa que a procuradoria vai impugnar o registro de todos os políticos fichas suja do estado. Na avaliação do procurador, que não poupou críticas ao Tribunal Superior Eleitoral e ao Congresso Nacional, essa foi uma das únicas modificações positivas da legislação eleitoral dos últimos anos. Segundo ele, frequentemente o Congresso e o TSE têm alterado a legislação eleitoral trazendo instabilidade no campo jurídico e favorecendo práticas desonestas durante as campanhas. Para ele, a legislação brasileira, no que tange às eleições é caótica e, pior, extremamente branda, com multas irrisórias. Apesar de tudo, ele se intitula um “otimista do Brasil de modo geral”. “O problema ainda é a qualidade dos políticos brasileiros, mas lentamente estamos caminhando para melhor.”
Como o senhor avalia a legislação eleitoral brasileira. O que ela tem de bom e o que precisa melhorar? Qualquer pessoa que se aprofundar no estudo da legislação eleitoral brasileira ficará perplexa, porque ela é instável, caótica, e com sanções profundamente brandas. E o pior é que ela é feita justamente por aqueles que serão sempre seus destinatários: os políticos. Eles estabelecem as regras da jogo que vão jogar aos quais eles próprios estarão sujeitos, por isso nossa atuação é sempre presa a esses critérios. E fora essa lei recente do Ficha Limpa, todas as mudanças da legislação eleitoral dos últimos anos foram para dificultar as sanções eleitorais e a apuração da corrupção eleitoral e facilitar a vida dos maus políticos.
O que mudou para pior? No fim do ano passado, uma modificação na Lei dos Partidos Políticos (aprovada em setembro pelo Congresso Nacional) reduziu absurdamente o prazo para processos relativos à arrecadação e gastos de recursos durante a campanha. Agora só se pode propor ações até dias depois da diplomação o que inviabiliza, na prática por completo, a nossa atuação, porque nessa época é impossível colher os dados necessários para propor as ações correspondentes. Outra mudança foi feita pela minirreforma eleitoral, na qual foram embutidas mudanças graves para impedir que o político que tivesse conta rejeitada pudesse participar das eleições. A prestação de contas agora é irrelevante, pois mesmo sua desaprovação não impede a quitação eleitoral.
O Tribunal Superior Eleitoral também muda as regras do jogo, principalmente em anos de disputa. Isso também não atrapalha, não causa instabilidade no cenário jurídico e eleitoral? As mudanças abruptas pelo TSE de suas as jurisprudências também tem dificultado muito nossa atuação. E o pior é que além de alterar drasticamente suas decisões, o TSE ainda resolve aplicá-las retroativamente, derrubando centenas de representações já aceitas e jogando por terra muito trabalho. Foi o que aconteceu no caso das doações irregulares de campanha feitas pelas empresas para partidos políticos e candidatos. Antes das eleições de 2006, o TSE solicitou que as procuradorias regionais eleitorais agissem para coibir abusos nessas doações. Propusemos cerca de 5 mil representações nesse sentido, o que redundou em quase R$ 500 milhões de multas no Brasil, contra empresas que doaram acima do limite legal previsto pela lei (2% do faturamento). Depois de todo esse trabalho, o TSE, contraditoriamente, sem mais nem menos, diz que o prazo para agirmos já tinha sido superado, jogando todo um trabalho bacana por terra.
E o Congresso Nacional? Ao lado do TSE, o Congresso tem bastante culpa por essa instabilidade jurídica, pois, não faz uma reforma eleitoral e muda as regras conforme o jogo que pretende jogar. Além disso, tem havido no Congresso, de modo muito forte, embora subliminar, um movimento constante de parlamentares ressentidos com a atuação do Ministério Público, que tudo fazem para podar nossa atuação. A Lei das Inelegibilidades completa 20 anos com uma mudança profunda que é aprovação do Ficha Limpa.
Como o senhor avalia os impactos dessa proposta já validada pelo Tribunal Superior Eleitoral para as eleições deste ano? O Ficha Limpa vai separar mesmo o joio do trigo? A lei do Ficha Limpa é um marco, não só por resultar de um projeto de iniciativa popular. Ela não teria sido aprovada se não houvesse pressão da imprensa e da sociedade, algo muito significativo para uma democracia. Mas ela também é um marco sobretudo porque, até então todas as modificações que aconteciam na lei eleitoral eram, de modo geral, para dificultar o combate à corrupção, dificultar a lisura do processo e a aplicação das sanções. Mas apesar disso, não sou tão otimista em relação ao Ficha Limpa para separar, nas eleições deste ano, o joio do trigo, como queríamos, porque a Justiça brasileira é muito lenta. Grande parte do Ficha Limpa vai depender de outras justiças que não a eleitoral e se a análise da corrupção continuar lenta pelos outros tribunais isso vai refletir no ficha limpa.
Como o senhor avalia esse momento de pré-campanha eleitoral para a disputa pela Presidência que na verdade só existe na lei, pois a campanha de fato já começou de maneira escancarada? Há quem defenda que essa proibição da propaganda extemporânea não deva existir. Isso está cada vez mais forte, pois ninguém respeita mesmo essa restrição. Apesar disso, não me parece adequado que o presidente da República, ocupante do cargo da mais alta hierarquia do Brasil, dê o mau exemplo de descumprir a legislação eleitoral, como também fazer pouco caso dela.
O presidente já foi multado quatro vezes por propaganda antecipada, mas parece que não fez nenhum efeito? Mas isso acontece por causa das falhas na lei. É uma infração calculada. Todos infringem sabendo o que fazem, pois são assessorados por bons advogados e sabem que as multas, que no direito geral tem efeito repressivo, inibitório e pedagógico, no campo eleitoral são piadas. Tem sentido você aplicar uma multa de R$ 5 mil para uma campanha presidencial que vai custar milhões? Não faz a menor diferença. Qual o sentido também de suspender no ano que vem o horário partidário de uma legenda que usou esse tempo para fazer propaganda antecipada. Ano que vem não tem eleição. É um risco calculado. Isso pode refletir em uma possível cassação futura ou em nada que venha prejudicar o mandato futuramente ou essa relação não existe? Existe, mas é muito tênue, mas no caso de um mandato presidencial jamais daria certo.
O presidente que vai ser eleito pode ser processado futuramente por abuso de poder político, mas tenho reservas se daria alguma coisa na prática ao se tratar de um cargo como esse. No campo de atuação da Procuradoria Regional Eleitoral em Minas qual é a principal preocupação? O Ministério Público, nestas eleições, terá uma atuação fundamentalmente preventiva, sem, é claro, negligenciar a tradicional atuação repressiva, que busca inibir a punição dos ilícitos praticados. Tem sido expedidas recomendações a diversos órgãos públicos e privados alertando para os pontos da lei eleitoral. Isso é importante porque em caso de descumprimento ninguém poderá alegar desconhecimento da matéria. O alerta foi feito e fica documentado. Felipe Peixoto Braga Neto, novo procurador regional eleitoral do estado.
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