HISTÓRIA POUCO SERVE A QUEM NÃO SE ORIENTA POR SUAS LIÇÕES!
Por Angela Alonso, professora de sociologia da USP e pesquisadora
do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento para a Folha de SP, em 29 de janeiro de 2023.
Eleição ganha, posse marcada, o futuro presidente circulou pela capital
da República. Um entusiasta o reconheceu e, do meio da multidão, gritou
seu nome e um viva. Voz logo abafada por sopapos de fanáticos do chefe
de governo em fim de mandato. Era dos que o encorajavam a manter no
bolso as chaves da República, com um decreto instituindo a ditadura.
Por isso, na posse, o eleito afirmou o compromisso com todas
—não só quatro— as linhas da Constituição. Pediu: "Que todos os
brasileiros, especialmente os depositários do poder público, contribuam
com seus esforços dedicados e perseverantes para conseguirem que a
República seja o que deve ser —um regime de paz e de ordem, de liberdade
e de progresso, sob o império da justiça e da lei".
Podia ser 2023, mas era 1894. Prudente de Moraes assumia a
nação depois de Floriano Peixoto, que gerara em torno de si um culto de
obcecados. Inconformados com a transição, arregimentaram-se em
"batalhões patrióticos" e saíam na mão ou na bala com quem desdissesse
as qualidades de seu mito. Convictos de que dele dependia a salvação
nacional, exigiam sua volta.
Assim insuflado, como Bolsonaro, Floriano não passou a faixa.
Negou-se a tratativas de transmissão do governo. O marechal, como o
ex-capitão, vendia-se como a simplicidade nos costumes e o moralizador
do Estado. Coincidiam também no desleixo.
Prudente encontrou a sede da República em sujeira prima daquela
que Janja exibiu na Globo. Em vez de Miami, Floriano recolheu-se às
suas Alagoas. Lá esperava, espalharam seus acólitos, o chamado de
retorno.
A ameaça golpista assustou. Mas o convocado fez o favor de ir
logo a óbito. Supondo que o perigo da ditadura falecia junto, legalistas
tiraram as mangas e a língua de fora e dedicaram-se a sovar o
presidente.
Prudente foi malhado em prosa e verso, na imprensa e no
Congresso. Em vez de persistir unida na defesa da Constituição e das
instituições republicanas, a parte civilizada da sociedade e dos
partidos convergiu no ataque sem tréguas ao governo.
A estratégia de criticar e obstruir tornou fraco o presidente e
o deixou à mercê de novos assaltos. A orfandade não levou os
florianistas a ensarilharem as armas. Encontraram no vice-presidente,
Manoel Vitorino, seu incendiador da República, a postos para comandar
qualquer insubordinação.
O ativismo golpista prosperou porque os partidos de oposição
começaram a disputar a eleição seguinte, nem bem esfriada a urna,
descuidando de garantir sua condição de possibilidade: o governo
constitucional, que a duras penas sobrevivera à ameaça de golpe de
Estado.
A sanha oposicionista em sangrar o governo manteve a República à
beira do colapso nos anos seguintes. Permitiu que o florianismo
prosperasse sem Floriano, a tal ponto que Vitorino arriscou usurpar a
cadeira presidencial.
Apenas o ato extremo, a tentativa de assassinar o presidente,
suscitou apoio vigoroso dos legalistas. Então os florianistas foram
efetivamente alijados do jogo institucional. Mas já era quase fim de
mandato.
Ficou para Campos Sales o refrigério de governar sob a paz que
Prudente pedira ao tomar posse. A aposta na crítica acima de tudo e no
autointeresse acima de todos atrasou em três anos a pacificação do país.
A história pouco serve se quem tem a possibilidade de influir sobre seus rumos não se orienta por ela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário