O PAÍS NÃO SABE LIDAR COM SEUS INDÍGENAS!
(O Estado de S. Paulo, 24) A tragédia humanitária que se abateu
sobre os habitantes do território Yanomami deveria envergonhar todos os
brasileiros. A responsabilidade por seu infortúnio é coletiva. Se
sucessivos governos não deram aos indígenas o tratamento digno que
merecem, é porque, em boa medida, a sociedade não foi enfática o
bastante ao exigir que o Estado se fizesse presente para fazer valer
nada além da proteção que a Constituição assegura aos povos originários.
As imagens de nossos concidadãos desnutridos, caídos doentes
por fome, malária ou intoxicações, muitos à beira da morte por falta de
assistência mínima, chocam pelo horror da situação degradante a que
estão submetidos e por confrontar a sociedade com um retrato cruel de
seu descaso pelos indígenas.
Há séculos, os povos originários gritam que estão sendo
dizimados, mas seu clamor simplesmente não é ouvido. Seus direitos de
cidadãos brasileiros foram assegurados pela Constituição de 1988, mas de
que valem, afinal, se Estado e sociedade lhes viram as costas?
“Queremos ajuda”, implorou ao Estadão Flávio Yanomami, da comunidade de
Barcelos, ao relatar a alta dos casos de desnutrição e malária na
região.
A desassistência sanitária levou o Ministério da Saúde a
declarar emergência nacional em saúde pública no território Yanomami. De
acordo com a ministra Nísia Trindade, ao menos três crianças morreram
nas comunidades de Keta, Kuniama e Lajahu no final de dezembro. O
recém-criado Ministério dos Povos Originários fala em 570 mortes de
crianças Yanomami por doenças tratáveis, como desnutrição, malária e
diarreia, entre 2019 e 2022.
É verdade que há muito tempo os indígenas vêm sendo tratados
como se fossem cidadãos de segunda classe, mas é inquestionável que
durante o governo Bolsonaro suas condições de vida se deterioraram
substancialmente. Bolsonaro foi leniente no combate aos crimes
ambientais, sobretudo o garimpo ilegal, que tanto mal causam às
populações indígenas. Só em Roraima, de acordo com o governo estadual,
estima-se haver 20 mil garimpeiros ilegais.
No sábado passado, o presidente Lula viajou a Boa Vista para se
encontrar com lideranças indígenas locais, que cobraram dele mais
empenho do governo federal em enviar médicos, alimentos e remédios para a
região, além de implementar ações de combate ao garimpo ilegal. “O que
posso dizer é que não vai mais haver garimpo ilegal”, disse Lula. “Sei
da dificuldade de tirar o garimpo ilegal (da região), sei que já se
tentou outras vezes, mas eles voltam. Mas nós vamos tirar”, prometeu o
presidente.
O compromisso assumido por Lula é importante, sobretudo pelo
contraste com a atitude de seu antecessor, que deliberadamente
enfraqueceu ou desmontou órgãos de proteção ao meio ambiente e aos povos
indígenas, além de, como entusiasta da mineração em reservas, ter
estimulado o garimpo ilegal. Mas os Yanomami, entre outros povos,
precisam de mais que promessas. Precisam da ação rápida e incisiva do
Estado contra os criminosos. Mas Lula não detalhou quais serão as ações
de seu governo contra os garimpeiros ilegais.
O garimpo ilegal gera conflitos armados nas reservas indígenas,
contamina as águas dos rios com mercúrio e produz lagos artificiais que
se transformam em criadouros do mosquito Anopheles, transmissor da
malária. Dos cerca de 29 mil habitantes do território Yanomami, 11.530
(40%) tiveram diagnóstico de malária confirmado em 2022, de acordo com o
Distrito Sanitário Especial Yanomami, vinculado ao Ministério da Saúde.
Como se não bastasse, os garimpeiros ilegais tomam posse de
pistas de pouso e decolagem na Amazônia que deveriam servir ao
transporte de mantimentos, remédios e profissionais de saúde, impedindo a
chegada de ajuda humanitária.
O foco do governo federal neste momento, em parceria com os
governos de Roraima e do Amazonas, deve ser a assistência imediata aos
Yanomami. Mas uma ação enérgica do Estado contra o garimpo ilegal se
impõe. É inaceitável que porções do território nacional sejam dominadas
por criminosos sob o olhar complacente das autoridades.
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