Sinal de vida, por Fernando Henrique Cardoso
A
condenação clara e indignada, por ministros do Supremo Tribunal
Federal, do mau uso da máquina pública revigora a crença na democracia
Tenho
dito e escrito que o Brasil construiu o arcabouço da democracia, mas
falta dar-lhe conteúdo. A arquitetura é vistosa: independência entre os
poderes, eleições regulares, alternância no poder, liberdade de imprensa
e assim por diante. Falta, entretanto, o essencial: a alma democrática.
A
pedra fundamental da cultura democrática, que é a crença e a
efetividade de todos sermos iguais perante a lei, ainda está por se
completar. Falta-nos o sentimento igualitário que dá fundamento moral à
democracia. Esta não transforma de imediato os mais pobres em menos
pobres. Mas deve assegurar a todos oportunidades básicas (educação,
saúde, emprego) para que possam se beneficiar de melhores condições de
vida. Nada de novo sob o sol, mas convém reafirmar.
Dizendo de
outra maneira, há um déficit de cidadania entre nós. Nem as pessoas
exigem seus direitos e cumprem suas obrigações, nem as instituições têm
força para transformar em ato o que é princípio abstrato.
Ainda
recentemente um ex-presidente disse sobre outro ex-presidente, em uma
frase infeliz, que diante das contribuições que este teria prestado ao
país não deveria estar sujeito às regras que se aplicam aos cidadãos
comuns... O que é pior é que esta é a percepção da maioria do povo, nem
poderia ser diferente, porque é a prática habitual.
Pois bem,
parece que as coisas começam a mudar. Os debates travados no Supremo
Tribunal Federal e as decisões tomadas até agora (não prejulgo
resultados, nem é preciso para argumentar) indicam uma guinada nessa
questão essencial. O veredicto valerá por si, mas valerá muito mais pela
força de sua exemplaridade.
Condenem-se ou não os réus, o modo
como a argumentação se está desenrolando é mais importante do que tudo. A
repulsa aos desvios do bom cumprimento da gestão democrática expressada
com veemência por Celso de Mello e com suavidade, mas igual vigor, por
Ayres Britto e Cármen Lúcia, são páginas luminosas sobre o alcance do
julgamento do que se chamou de “mensalão”.
Leia a íntegra em Sinal de vida
Fernando Henrique Cardoso é ex-presidente da República
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